Mulher em ambiente interno, sentada tateando um livro em braile sobre uma mesa

A falta de informação reforça atitudes preconceituosas e a segregação social de pessoas com deficiência visual, alerta Fundação Catarinense de Educação Especial

 

O Dia Nacional da Pessoa com Deficiência Visual, comemorado em 13 de dezembro, tem como objetivo conscientizar a sociedade para questões importantes como preconceito e discriminação, além de reduzir o desconhecimento sobre pessoas com deficiência visual. Pessoas videntes, ou seja, aquelas que enxergam, acabam reforçando barreiras que vão muito além da falta de acessibilidade em espaços físicos. Muitas vezes, a falta de informação e de interação com pessoas com deficiência visual no dia a dia geram atitudes discriminatórias em relação a esse público, formado por 6,9 milhões de brasileiros.
As barreiras atitudinais são comportamentos que impedem ou dificultam a participação plena, a inclusão educacional, o exercício da cidadania e o empoderamento da pessoa com deficiência. Geralmente, estão presentes nos discursos pejorativos e, por isso, excludentes. Entretanto, não é só no discurso que o preconceito se faz presente. Na prática, o não dito também tem o poder de excluir. 

A pedagoga Josiane Cristina Becker, professora revisora de material em Braille na Fundação Catarinense de Educação Especial (FCEE) que tem deficiência visual, dá um exemplo que ocorre com frequência ao sair acompanhada por uma pessoa que enxerga. “Às vezes eu entro em uma loja pra comprar um produto e o vendedor acaba se direcionando para a pessoa do meu lado, acaba mostrando para ela. As pessoas imaginam que somente porque você não enxerga, você não tem certas capacidades. Eu julgo uma das piores barreiras atitudinais e o porquê delas realmente é a falta de informação”, relata. 

Desconhecer a potencialidade da pessoa com deficiência visual é uma das barreiras atitudinais mais comuns. Assumir que ela não interage ou deduzir que não faz compras, não trabalha ou não pode constituir família são outros exemplos de barreiras atitudinais. 

Josiane ressalta que é necessário que as pessoas busquem e disseminem informação de qualidade e, caso necessário, não tenham vergonha de perguntar. "Eu acho que as pessoas que têm o desconhecimento têm sim que perguntar e nós, pessoas com deficiência, também podemos auxiliar o outro. É uma via de mão dupla”, avalia. No ambiente de trabalho, essas situações também podem ocorrer, ainda que de formas diferentes. A pessoa com deficiência visual precisa de uma estrutura adaptada para trabalhar e nem sempre as empresas estão dispostas a ofertar os equipamentos necessários. “As empresas não querem passar por isso porque não é conveniente. Às vezes é um só funcionário, então acabam deixando essa pessoa de lado”, lamenta Josiane. 


Inclusão: muito mais do que cumprir cotas


No Brasil, as pessoas com deficiência são amparadas pela Lei Brasileira de Inclusão (Lei federal n° 13.146/2015), destinada a assegurar o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais, visando à sua inclusão social e cidadania. No âmbito profissional, existe a política de cotas (Lei Federal  8.213/91 e Decreto 3.298/99), as quais destinam um percentual de reserva de vagas em instituições com 100 ou mais funcionários para pessoas com deficiência. A Lei Federal 7.853/89, regulamentada por esse mesmo decreto, dispõe sobre a Política Nacional para a Integração da Pessoa com Deficiência e representa mais um avanço em termos de garantia de direitos. Contudo, apesar dos avanços na legislação, seu cumprimento possibilita a inserção das pessoas com deficiência nos ambientes, mas não garante a inclusão em si. A inclusão depende da disposição da sociedade em contemplar as necessidades de seus indivíduos e de buscar informação para reformular valores. 

 Por essa razão, os professores do Centro de Educação e Trabalho (CENET) da Fundação realizam um trabalho de conscientização em instituições, por meio de palestras e rodas de conversa.  Segundo Neide Maria de Souza, professora do Serviço de Colocação no Mercado de Trabalho, muitas empresas ainda têm a impressão negativa “de que é só mais uma contratação para fins de cumprimento de cotas.” “É por isso que uma das nossas ações também é mostrar para a empresa que é mais um funcionário que ela vai ter, mais um para contribuir”, explica.  

Muitas pessoas com deficiência visual ao entrarem no mercado de trabalho podem enfrentar essa realidade. São indivíduos qualificados que não conseguem exercer suas funções por conta do capacitismo. “Geralmente são oferecidos empregos do mais baixo escalão, com os salários mais baixos. Tem que se batalhar muito para conseguir subir e ter uma carreira melhor. Isso é fato”, afirma Marcelo Lofi, pedagogo com deficiência visual que trabalha no Centro de Apoio Pedagógico e Atendimento às Pessoas com Deficiência Visual da FCEE. 


“É mais difícil mudar a essência do ser humano do que mudar uma calçada”


Os dados mais recentes revelam que, no Brasil, são 6,9 milhões de pessoas com deficiência visual, o equivalente a 3,4% da população, de acordo com dados da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) realizada em 2019 pelo IBGE. O preconceito impede que essas pessoas sejam consideradas capazes de executar toda a gama de atividades que faz parte do cotidiano – deslocar-se com independência, cuidar-se e vestir-se com adequação, alimentar-se, interagir socialmente de forma prática e adequada, competir no mercado de trabalho e exercer seu papel de cidadão que conta com o respeito da sociedade e é aceito.

Historicamente, a atitude das pessoas diante das semelhanças ou diferenças resulta na construção e manutenção de um padrão. Pessoas fora desse padrão são condicionadas a permanecerem em um espaço social diferente e geralmente são tratadas com descaso ou até mesmo violência. As barreiras atitudinais, erguidas pela sociedade, podem ser mais difíceis de serem reconhecidas e, infelizmente, de serem derrubadas. “É mais difícil você mudar a essência do ser humano do que você mudar uma calçada”, reforça Marcelo Lofi.

Quanto mais obstáculos, principalmente em relação às atitudes, mais difícil será a inclusão da pessoa nos diversos ambientes sociais. Por esse motivo, é preciso pensar na inclusão em todos os momentos. Ao planejar um evento, fazer uma publicação nas redes sociais, abrir um restaurante ou uma loja, por exemplo. Marcilene Aparecida Alberton Ghisi, professora na Associação Catarinense para Integração do Cego (ACIC), argumenta que a visão capacitista da sociedade será transformada quando alterar-se a concepção de deficiência como sinônimo de incapacidade. “Quando se compreender que a deficiência é uma característica, um jeito de estar no mundo, teremos um divisor de águas”, reforça Marcilene.

É por isso que pessoas videntes devem buscar informação para compreender que pessoas com deficiência visual possuem capacidade nas mais diversas áreas, assim como qualquer um. Compreender que a diferença é o que faz cada pessoa única é um passo necessário para uma mudança não só de ações, mas principalmente de valores. Marcilene enfatiza: “quanto mais as pessoas experimentarem o entendimento de que ser diferente é algo positivo, intrínseco ao ser humano, teremos um mundo com mais pontes e menos muros”. 

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